Regime de Teletrabalho / MP 927

O presente artigo abordará em linhas gerais, a primeira medida dentre outras que podem ser adotadas, conforme previsto na Medida Provisória n.º 927, de 22 de março de 2020, pelo empregador como meio de preservação do emprego e de renda diante o estado de calamidade pública, já reconhecido.
Nesse compasso, será exposto de maneira a abordar a forma como o regime de teletrabalho está previsto na Medida Provisória, bem como, se é que este já encontrava regulamentação legal antes mesmo da promulgação da referida Medida Provisória, como é sua previsão.
Contudo, o presente artigo não visa expor a opinião pessoal quanto a pontos favoráveis ou desfavoráveis para as partes que vierem a adotar o regime de teletrabalho, ou até mesmo formar opinião do leitor, mas, além de informar a previsão legal dos institutos jurídicos, apontar e esclarecer certos questionamentos que sobrevém a respeito do tema.
De plano cabe destacar que as medidas trabalhistas que podem ser adotadas por empregados e empregadores por meio de contrato individual escrito se sobrepõem, durante o estado de calamidade pública, a instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites da Constituição, conforme previsto no Art. 2º da referida Medida Provisória.
Neste compasso há quem possa questionar, o referido instituto jurídico fora regulamentado pela Medida Provisória n.º 927?
Com base no questionamento, inicia-se a presente exposição desde já esclarecendo que o referido instituto jurídico não fora regulamentado somente após a vigência da Medida Provisória n.º 927.
Isto se justifica haja vista que a CLT, após a reforma trabalhista, Lei n.º 13.467, de 2017, passou a prever de maneira expressa em seu conteúdo, o instituto jurídico do teletrabalho, conforme Art. 75-A e seguintes.
Assim, conceito de teletrabalho está previsto no Art. 75-B do mesmo diploma legal, sendo a prestação de serviços realizada preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo, ainda, não sendo descaracterizado o regime de teletrabalho o comparecimento do empregado junto a empresa para realização de atividade específica.
Já a Medida Provisória n.º 927 preceitua em seu § 1º do art. 4º o conceito de teletrabalho, estabelecendo que considera-se teletrabalho, o trabalho remoto ou trabalho a distância a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo, aplicável o disposto no inciso III do caput do art. 62 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.
Nota-se que o conceito estabelecido na Medida Provisória acresceu em seu texto legal a respeito do conceito do regime de teletrabalho, as expressões “trabalho remoto ou trabalho a distância”, bem como, “totalmente fora”, o que não se vislumbra no conceito estabelecido na CLT.
Em seguida, cabe aqui fazer um breve destaque de que o instituto jurídico do teletrabalho embora resguarde similitude com a prestação de serviços “home office”, trabalho em domicílio, não se tratam de institutos jurídicos idênticos.
Não esgotando aqui o assunto, o “home office” é aquele serviço prestado eventualmente pelo empregado em sua residência, diferindo aqui do teletrabalho, o qual pode ser prestado em qualquer local distante do estabelecimento do empregador.
Ademais, temos que o teletrabalho, conforme preceituado em suas definições jurídicas, demanda a utilização de meios tecnológicos e de comunicação, o que de fato não é a regra no labor prestado “home office”
Ainda, no “home office” o labor será prestado sem um período longo fora do trabalho, ou seja, ocasional que não demande grande período e, ainda, que não demande a necessidade de previsão contratual, como exemplo, trabalho prestado diante de medida emergencial como enchentes, greve de transporte público, etc.
Portanto, conclui-se que teletrabalho e “home office”, embora denotem similitude, não se tratam de institutos jurídicos idênticos.
Retomando ao objeto do presente artigo, temos que o teletrabalho será adotado durante o estado de calamidade pública, conforme preceitua o Art. 4º da Medida Provisória n.º 927. Ainda no caput do referido artigo, extrai-se que o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância, e ainda, determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordo individual ou coletivo, sendo também dispensado de registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho.
Neste compasso, nota-se o livre arbítrio atribuído ao empregador quanto a alteração entre regime de trabalho presencial para o teletrabalho, e vice-versa, apenas devendo notificar o empregado com no mínimo 48 (quarenta e oito) horas de antecedência, seja de maneira escrita ou por meio eletrônico, o que de fato difere da regulamentação prevista na CLT.
A CLT dispõe no Art. 75-C e seus parágrafos que, o regime de teletrabalho deve constar expressamente no contrato individual de trabalho e o empregador somente poderá alterar o regime entre presencial e teletrabalho, desde que haja mútuo acordo entre as partes, e o faça por meio de aditivo contratual. Ainda, a alteração do teletrabalho para o presencial, embora dispense acordo mútuo entre as partes, ficando a cargo do poder diretivo do empregador, deve observar o prazo mínimo de 15 (quinze) dias, também devendo o referido ato ser registrado em aditivo contratual.
Em seguida, outra disposição legal prevista na MP n.º 927 e que se encontra de maneira diversa da expressamente prevista na CLT, é quanto a aquisição e manutenção de equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária, bem como, quanto ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado.
A MP n.º 927 no parágrafo 3º do Art. 4 preceitua que a reponsabilidade pela aquisição, manutenção ou pelo fornecimento de equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária para realização do teletrabalho, além do reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão estipuladas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contados da data da mudança do regime de trabalho.
Já o Art. 75-D da CLT preceitua que a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.
Todavia, cabe relembrar que a alteração de regime do trabalho presencial para o regime do teletrabalho conforme disposto na CLT, depende de acordo mútuo entre as partes e registrada em aditivo contratual, ou seja, o empregado terá prévia ciência dos termos acordados, inclusive quanto a questão da responsabilidade quanto a aquisição, manutenção, infraestrutura e reembolso, o que de fato poderá não ocorrer após a vigência de Medida Provisória, haja vista que esta prevê a possibilidade de o acordo ser celebrado durante a vigência do regime do teletrabalho.
Cabe destacar que a Medida Provisória faz uma ressalva caso o empregado não possua os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária para a prestação do teletrabalho, conforme disposto no parágrafo 4º do Art. 4º, onde poderá o empregador, novamente ficando a seu critério, fornecer os equipamentos em regime de comodato, aqui leia-se, empréstimo gratuito, e ainda, poderá pagar pelos serviços de infraestrutura.
Todavia, em caso de impossibilidade do oferecimento do regime de comodato, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador.
Ainda, quanto ao tempo de disposição ao empregador, destaca a Medida Provisória no parágrafo 5º do Art. 4º de que o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal não constituirá tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.
A Medida Provisória prevê por fim em seu Art. 5º a possibilidade de estagiários e aprendizes adotarem o regime de teletrabalho.
Sobretudo, a CLT aborda em seu ultimo dispositivo no que toca o regime de teletrabalho, de que compete ao empregador instruir seus empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho, devendo o empregado assinar termo de responsabilidade.
Por fim, conforme já mencionado a medida do regime do teletrabalho prevista na Medida Provisória n.º 927, pactuada por empregado e empregador durante o estado de calamidade pública, se sobrepõe durante o referido período a instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites da Constituição, todavia, não revoga dispositivos previstos na CLT que estejam em conformidade e que devem ser adotados para o regime de teletrabalho.
O regime de teletrabalho embora não tivesse regulamentação anterior a então reforma trabalhista, como exposto, já era de prática da nas relações de trabalho exercidas em nosso país, mas não era adotado como regra, contudo, atualmente diante do estado de calamidade pública, tal regime certamente será adotado em maior número nas relações de trabalho.
Compete ao Direito do Trabalho, diante das constantes inovações das relações de trabalho, e diante dos anseios da população quanto a regulamentação das formas de trabalho sempre buscar o equilíbrio de forças entre empregadores e empregados, buscando ainda a regulamentação do tema, o que de fato fora concretizado com a após a reforma da CLT, zelando pelos princípios basilares da dignidade da pessoa humana e proteção do valor social do trabalho esculpidos na Constituição.
Neste ínterim, diante do estado de calamidade pública reconhecido em nosso país pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 decorrente do coronavírus (covid-19), e diante das medidas trabalhistas que vem sendo adotadas e regulamentadas pelos entes públicos, competirá a Justiça do Trabalho analisar e decidir sobre essas questões e eventuais litígios quando as medidas legalmente previstas forem descumpridas.
Portanto, conclui-se que medidas de urgência, diante do estado de calamidade pública, como vêm sendo adotadas, necessitam notoriamente serem estabelecidas para a preservação do emprego, primando pela garantia e permanência do vinculo empregatício, todavia, evitando-se quaisquer abusos que possam ser praticados nas relações de trabalho em beneficio ou detrimento de uma das partes, tendo como base os limites da Constituição.